México, 21 de julho de 1970.
É o dia da final da Copa Mundo de futebol. No estádio Azteca, na Cidade do México, Brasil e Itália se enfrentam na luta de quem levará a taça para casa.
Essa afirmação não poderia ser mais verdadeira. A taça Jules Rimet, o troféu recebido pela equipe ganhadora da Copa do Mundo desde sua primeira edição, em 1930, era passada de país campeão para país campeão a cada quatro anos. Mas segundo a regra criada pelo então presidente da entidade máxima do futebol, o Jules Rimet, a posse definitiva da taça ficaria com a equipe que primeiro conquistasse o tricampeonato. Em 1928, ano que o troféu foi esculpido em Paris, esse feito era considerado impossível.
Quarenta anos depois, em 1970, a situação era exatamente essa. Brasil e Itália lutavam pelo tricampeonato e, consequentemente, a posse definitiva da cobiçada taça Jules Rimet.
Mas a seleção canarinha estava imbatível. Comandada por Zagallo e com Pelé, Gérson, Rivellino Jairzinho e Carlos Alberto Torres no time, o Brasil chegou à final com cem por cento de aproveitamento, sem perder nenhuma partida tanto nas eliminatórias quanto no campeonato. Resultado: quatro Brasil, um Itália. É tricampeão! A taça é nossa!
A taça Jules Rimet passou a ficar exposta na sala da presidência da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, na Rua da Alfândega, número 70, centro do Rio de Janeiro. Lá ficou por 13 anos.
Rio de Janeiro, era noite de 19 de dezembro de 1983. Dois homens encapuzados invadem a sede da CBF no centro da cidade carioca, rendem o segurança noturno e roubam as quatro taças que ficavam expostas ali, entre elas, a Jules Rimet.
A taça era realmente linda. Trazia a imagem da deusa grega da vitória, tinha 35 centímetros de altura, pesava cerca de quatro quilos, dos quais quase dois quilos eram de puro ouro, e a base dela era inteira de pedras semipreciosas. Na época do roubo o objeto foi avaliado em cinquenta mil dólares.
Mas o valor da taça ia muito além do seu valor real. Essa taça representava o orgulho nacional. Além de ser o símbolo de primeira seleção do mundo a conquistar o tricampeonato, foi a Copa de 1970 que consagrou o Brasil como o país do futebol. A seleção brasileira daquele ano foi sem discussão uma das maiores reuniões de craques que o futebol já viu. Sendo a primeira Copa do Mundo a ser televisionada ao vivo em todo o planeta, a seleção canarinha encantou o mundo com sua agilidade com a bola e suas jogadas geniais.
A Copa de 1970 trouxe muito mais do que a taça do tricampeonato para casa, ela trouxe ao povo brasileiro o sentimento de que nós podíamos, de que nós éramos uma nação. Ela trouxe ao Brasil a ideologia da vitória e o orgulho nacional.
Quase quarenta anos desde o seu roubo, a taça nunca mais foi vista. O país do futebol perde a taça para sempre. Quem teria a coragem de simplesmente fazer desaparecer esse importante símbolo brasileiro?
O furto no Pais do Futebol
O nome do sujeito era Sérgio Peralta. Ele era representante do clube Atlético Mineiro de futebol e por isso frequentava a sede da CBF e tinha conhecimento das taças que ficavam expostas na sala da presidência. Ele foi o mentor do plano do roubo.
Seu primeiro convidado para fazer parte da façanha foi Antônio Setta, conhecido como Broa e considerado um dos maiores arrombadores de cofres do país na época. Mas o ladrão recusou o convite por questões emocionais. No ano de 1970, logo após o quarto gol do Brasil no final da Copa do Mundo, seu irmão sofreu um ataque cardíaco e morreu em seus braços. Aquela taça, para Broa, tinha um grande significado e ele não poderia roubá-la. Inclusive ele achou a ideia de roubar a Jules Rimet completamente insana e ia contra todos os princípios do ladrão.
Peralta, então, foi atrás da sua segunda opção. Francisco Rivera, conhecido como Chico Barbudo. Ex-policial que ganhava a vida negociando peças de ouro roubadas, topou participar do plano e chamou um parceiro para invadir junto com ele a sede da CBF, o José Luiz Vieira da Silva, o Bigode.
A esquadra que roubaria o ouro estava formada: Peralta como mentor, Chico Barbudo e Bigode como executores. Faltava então fechar os detalhes do plano. Para isso, Chico Barbudo vai até a sede da CBF no dia 13 de dezembro para conhecer melhor o local onde as taças estavam expostas. Para acessar a sala, ele se apresenta como jornalista da Paraíba e diz precisar ver o presidente com urgência.
Não consegue chegar até a sala presidencial onde as taças ficavam, mas consegue descobrir como se esconder no prédio sem ser visto.
Seis dias depois dessa sua visita, em 19 de dezembro de 83, Barbudo junto com Bigode invadem o prédio. Os ladrões conseguem dominar o único vigia noturno da CBF enquanto ele fazia sua inspeção de rotina passando de andar por andar. E simples assim, sem grandes dificuldades, a passagem para chegar até as tão desejadas taças estava livre. Eles roubam as quatro taças que ficavam expostas, incluindo a Jules Rimet.
No dia seguinte ao roubo a imprensa do Brasil e do mundo noticiava o ocorrido, que de tão absurdo, era difícil de acreditar que era realmente verdade. A TV Globo divulgou, em 20 de dezembro de 1983, a notícia junto com um depoimento do vigia João Batista Maia, que foi rendido pelos ladrões.
O roubo revelou duas atitudes da CBF que foram difíceis de serem engolidas pelo povo brasileiro, fragilizado com o desaparecimento do objeto que trazia tanto valor sentimental. A primeira: enquanto a taça Jules Rimet original ficava exposta na sala da presidência, a sua réplica ficava em segurança dentro de um cofre, quando na verdade deveria ser o contrário. A segunda: por mais que o vidro que protegia as taças fosse a prova de balas, ele era preso na parede por uma fina moldura de madeira, nada complexa de ser removida.
A Polícia Federal foi acionada e começou uma corrida contra o tempo para localizar a taça antes que ela virasse ouro derretido.
Por mais que fosse a Polícia Federal a grande encarregada pela investigação, a verdade é que todos estavam atrás dessa taça, a polícia civil, as forças armadas e a polícia militar. Quem encontrasse o culpado e trouxesse o troféu do tricampeonato de volta seria um herói. Além disso, o caso era um prato cheio para o meio corrupto policial. Fosse lá quem estivesse com a taça, ou com o ouro vindo do seu derretimento, estaria com muito dinheiro em mãos. Encontrar essa pessoa antes da Polícia Federal era uma oportunidade de conseguir levar parte desse dinheiro também.
E nesse sentido, das investigações por baixo dos panos com o intuito de extorquir o ladrão, que algumas semanas depois da taça ser roubada, em janeiro de 84, dois policiais militares à paisana pegam Bigode e o colocam dentro de um carro particular.
A ameaça era clara: ou Bigode assumia o crime e entregava uma parte do dinheiro para eles, ou eles o denunciariam para a Polícia Federal como suspeito. Bigode negou até o fim.
Dito e feito. Bastaram dois dias para a Polícia Federal chegar até a casa do Bigode. Lá, apreenderam uma maleta com 850 mil cruzeiros e um cheque de 12 milhões de cruzeiros. Em sua defesa, Bigode disse que o dinheiro veio como comissão de um trabalho que realizou e que não tinha nada a ver com o roubo da Jules Rimet. Depois de horas de depoimento, a polícia acreditou na sua versão, liberou Bigode e nem mesmo anotou os dados do cheque milionário.
Foi só um mês depois do roubo, após dezenas de suspeitos serem apontados como ladrões da Jules Rimet e sem qualquer sinal do paradeiro da taça, que a Polícia Federal recebe a informação que Antônio Setta, o Broa, aquele que havia recusado participar do roubo, teria detalhes do crime. Ele só não havia se pronunciado antes por ter ficha suja na polícia e ter medo de fazer a denúncia e terminar como cúmplice.
Broa dá o nome de Sérgio Peralta para os responsáveis pela investigação do caso. Seis dias depois, Peralta é preso pela polícia e a partir daí o caso começa a ser revelado.
Sérgio Peralta confessa o crime e denuncia Chico Barbudo por ter participado do roubo com ele. Chico Barbudo é preso e revela aquilo que todos temiam: a taça havia sido derretida. O negócio rendeu 14 milhões de cruzeiros em dinheiro e outros 12 milhões de cruzeiros em cheque, que seria descontado por Bigode, o terceiro integrante do roubo. Bigode, aquele mesmo que poucas semanas atrás tinha prestado depoimento para a Polícia Federal.
Outra peça fundamental para fechar as investigações foi o depoimento dado pela secretária da CBF. Ela revelou ter reconhecido o homem que se apresentou como jornalista da Paraíba e insistiu em ver o presidente. Era Chico Barbudo, que mesmo já sem barba quando foi pego pela polícia, provavelmente tirada para dificultar seu reconhecimento, ela tinha certeza de se tratar da mesma pessoa.
Por mais que tivessem assumido o crime anteriormente, durante o processo de acusação, Peralta e Barbudo voltaram atrás e negaram qualquer participação no roubo da taça. Disseram que foram torturados pela polícia para confessar, e seus advogados de defesa insistiram na falta de provas que levou ambos a serem acusados.
Assim, a Polícia Federal dá como encerrada a sua parte da investigação e passa o caso para a Polícia Civil. A primeira responsabilidade deles era encontrar o terceiro acusado do roubo, Luiz Bigode, que não demorou para ele mesmo, por livre e espontânea vontade, se apresentar aos novos investigadores e negar qualquer envolvimento. Bigode foi acusado, mas respondeu ao processo em liberdade até o final.
A segunda responsabilidade da Polícia Civil, e a mais importante delas, é a que seria desafiadora: encontrar quem derreteu a taça Jules Rimet e tentar conseguir seu ouro de volta.
A busca pelo ouro
Após dois meses do roubo da taça, no final de fevereiro de 84, as investigações da Polícia Civil apontaram para uma empresa de comercialização de ouro localizada no centro do Rio de Janeiro. Ela pertencia ao argentino Juan Carlos Hernandez, conhecido como o maior e mais importante exportador de ouro roubado do Brasil.
Em uma operação de busca e apreensão os policiais levaram equipamentos, jóias e cinco barras de ouro. Juan não estava lá, mas no dia seguinte apareceu na delegacia e disse ser inocente.
Suas barras de ouro ficaram sob posse da polícia para a investigação, mas sete meses depois, ainda sem qualquer prova de que o argentino estava realmente envolvido no caso, ele foi autorizado a retirar suas barras na delegacia. Foi quando veio a surpresa: as barras de ouro tinham sido trocadas por barras de latão que imitavam as originais. O ouro sumiu.
Um inquérito foi aberto para investigar o que havia acontecido com as barras, que não deveriam nunca ter saído da posse dos investigadores da polícia, mas esse inquérito não deu em nada. As barras de ouro do argentino, e que podiam ser da taça Jules Rimet, nunca foram encontradas e ninguém foi punido pelo seu desaparecimento.
Já as barras de latão ficaram guardadas em um depósito do Tribunal de Justiça por 20 anos, quando em junho de 2005 foram leiloadas por 40 reais.
A título de curiosidade e que não pode ficar de fora dessa história, esse não foi o primeiro roubo sofrido pela taça Jules Rimet. Ela já havia sido roubada anteriormente, em 1966 na Inglaterra.
O primeiro roubo da taça
Era 20 de março de 1966, quatro meses antes do início da Copa do Mundo da Inglaterra. A taça nesse momento estava sob tutela brasileira já que a seleção havia sido a última campeã do mundo, em 1962. Em um acordo entre Brasil e Inglaterra, a Jules Rimet foi exibida numa exposição de selos em Londres.
Mas, mesmo com um grande esquema de segurança montado, a taça sumiu. Uma força tarefa da Scotland Yard, a polícia inglesa, foi montada para encontrar o troféu a tempo do mundial antes que ele desaparecesse de vez.
É quando uma pessoa que se identifica com o nome de Jackson diz estar com a Jules Rimet e pede um resgate de 15 mil libras esterlinas. Caso contrário, derreteria a taça.
Um policial à paisana vai ao encontro de Jackson para supostamente entregar uma maleta com o dinheiro e consegue prendê-lo. Jackson era na verdade um ex-soldado chamado Edward Betchley, de 46 anos, e se negava a revelar o paradeiro da taça.
Sete dias após o roubo, a Jules Rimet foi encontrada embrulhada em papéis de jornais em um bairro do subúrbio londrino. O grande revelador do mistério? Um cachorro vira-lata de pequeno porte chamado Pickles.
Pickles virou celebridade, apareceu em programas de TV e ganhou até filme, mas morreu um ano depois. Já Edward Betchley negou ter planejado o roubo e disse ter sido apenas um intermediário. Cumpriu pena de dois anos e morreu em 1969.
Na ocasião desse primeiro sumiço da taça, o Brasil se manifestou. Segundo o livro “Day of the Match”, um assessor da confederação brasileira de futebol disse que o roubo do troféu era um sacrilégio que jamais aconteceria no Brasil, onde até mesmo os ladrões eram apaixonados por futebol.
Quatro anos depois do furto
Apenas em 31 de março de 1988, mais de quatro anos após o roubo da taça no prédio da CBF, os criminosos foram julgados e condenados. Sérgio Peralta, Chico Barbudo e Bigode receberam a pena de nove anos de prisão pelo roubo, enquanto Juan Hernandez, acusado por comprar e derreter o ouro, foi condenado a três anos.
Nenhum deles cumpriu a pena.
Chico Barbudo conseguiu recorrer à sentença em liberdade, mas em 89, ano seguinte da condenação, ele foi executado a tiros em um bar no Rio de Janeiro. O motivo do crime e os assassinos nunca foram descobertos.
Sérgio Peralta fugiu após a condenação. Em 94 foi encontrado trabalhando como caseiro em uma casa na Região dos Lagos do Rio de Janeiro e foi preso. Em 98 recebeu liberdade condicional e morreu em 2003 de problemas do coração. Até sua morte, Peralta defendeu a versão de que era inocente e apenas havia assumido o roubo por ter sofrido agressões da polícia. A seu favor dizia que nunca haviam conseguido encontrar uma só prova contra ele que justificasse que fosse o mentor do roubo da taça.
Bigode também conseguiu fugir, mas foi preso em 95. Três anos depois recebeu liberdade condicional e nunca mais comentou sobre o caso.
Por fim, Juan Hernandez. Depois da condenação, o argentino fugiu do Brasil. Em 98 ele é detido em São Paulo com sete quilos de cocaína. Ficou preso até 2005 por tráfico de drogas, mas nunca cumpriu sua pena pelo roubo da taça.
Teriam mesmo Peralta, Chico Barbudo e Bigode sido agredidos pela polícia e por isso assumido o crime? A execução a tiros de Chico Barbudo, sem culpados, reforça essa tese de coerção policial e teriam matado ele como queima de arquivo?
As cinco barras apreendidas no escritório do argentino eram ou não eram da taça Jules Rimet? Sendo ou não, o fato é que as barras desapareceram de dentro da polícia e nunca mais se soube o paradeiro delas.
A taça Jules Rimet, a principal da história da Copa do Mundo, nunca mais foi encontrada. Para a polícia, ela foi derretida e seu ouro impossível de ser rastreado.
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Uma resposta para “O Roubo da Taça Jules Rimet”
It’s impossible for Ben Shelton to be a white American as written in this article! His father who is also his coach, Bryan Shelton, is clearly a Black American! Was this wishful thinking or just poor journalism?